29 de abril de 2012

O (G)ato

Lânguido no seu travesseiro de lascas felpudas, namora o Sol que o embebeda com a luz de seus beijos gentis. Procurando a brisa em tela azul, vê a sua imagem espelhada numa pena negra que voa em seu redor. Os seus olhos cercam-na e acaba por pousar na ponta do nariz. Espirra. E a pena foge para os ramos da velha árvore... Era tão alta que no seu cimo adormeciam anjos caídos, exaustos pela paz celestial que ecoava pelos céus.
A pena subia cada vez mais alto e um desses anjos apanha-a e começa a molestá-la, fazendo-a passar pelo seu pescoço delicado. Enfurecido e magoado pela ousadia, voa até ao seu poiso, chorando lágrimas frias e pesadas. Tira-lhe a pena das mãos e arranca as suas asas brancas num ímpeto de inveja e ciúme. O anjo canta em agonia e os seus semelhantes observam-no em pecado. Os seus olhos espumavam fogo e não satisfeito, debica o anjo cantor, com um brutal requinte, engolindo-o depois de uma só vez. É então que acontece aquilo que todos aguardavam desesperadamente, fartos de toda a solene carnificina que o banquete figurava. Regressa ao seu ninho e embalado pelo Sol, seu amante, banha-se com uma lentidão excêntrica e atrevida, abraçado à pena que era sua.

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