21 de novembro de 2012

Espectro

Movimentos contrários às palavras que me suam das mãos, sinfonia abstracta. Soam-me bem teus encantos, as fantasias que ecoam ao teu redor, esse corpo de gente ruim.
Seguro a chama triste que sopra dos cantos da casa, está frio cá dentro. O gelo nos lençóis que me cobrem de aromas dos jardins de éden. Resguardo-me no cheiro de recordações inventadas. Não sei quem te levou, larguei-me. E agora encontro-me, em ti. Puxo a corda e quebro ao primeiro empurrão, excomungada pelo ridículo do ser, masoquista.
Acorrento-me à tua sombra e vedo meus olhos sinceros. Passos firmes, ainda que o peito fraqueje, passeio a teu lado, assombrada.

8 de julho de 2012

A Coincidência


  Estranho o acaso em que nos encontrámos… Definidos entre contrastes e complementos que se acumulam pelos cantos da casa, espalhando-se aos poucos pelo centro da mesa. Procuras respostas em páginas desgastadas, trazendo consigo o choro seco de negros contos de fadas.
  Pedes a calma que o tempo te dá, impõe-se a dúvida. Cede seu lugar. Senta-se a certeza, entra o receio. Espelha-se a ironia nas paredes, mostrando os retratos que ficaram nas frestas dos mosaicos.
  Chega a Primavera que trás com ela o frio, desabrochando os primeiros olhares inquietos e ritmos impacientes… Algo desperta.   

16 de junho de 2012

Abstracto

Quente o corpo demente, revê-te em cinzas num espaço presente onde o tempo tantas vezes delinquente passa as veias de um caminho desfeito pelas lágrimas recentes. Ouve o que o grito diz e senta-te na brasa de segredos inconvenientes, eloquentes. São moucos os passos que te alucinam nesse trotear de palavras que em nada elucida. Abstracto. Estranha palavra em que me trato, retrato, o que faço, somente porque sinto ou desfaço. Realizo um prefácio, perfeitas falácias em rios queimados. Oiço a brisa num embalo, fecho os olhos e desmaio.

20 de maio de 2012

Gula

Desperta pelo desvario presente no seu olhar, deixa-se envolver pelas suas formas insípidas e jeito grotesco. Trás as trevas pelas mãos, rasgando desde logo um sorriso no seu rosto com a brutalidade impregnada na convicção dos seus passos. Basta a sua presença para sentir a adrenalina queimar nas suas veias secas, sedenta da emoção que o perigo na sua voz enunciou.
Desnuda-se a fantasia, dando espaço à incorporação da figura. Desenham-se linhas disformes no seu caminho, seguindo com os pés torpes pela sedução da imprudência. Inconsciência. Desfalca o juízo e resiste a imprevisibilidade do seu toque suicída.

Esbanjo-me na noite que o cobre, atenta ao chão que me agarra os pés. Colho a sua ausência em meus braços mortos e deito-a em mantos verdes, precipitando-me pela escadaria acima. Tropeço no silêncio dos seus lábios, demasiado embebida na réstia da sua presença. Recolho a chama e corro, devagar.
Pelos degraus escorrem chamas que chovem do meu peito ofegante, apaixonado pela tristeza que cai de seus olhos cruéis. Sucumbo à tentação nessa bruma ardente, embora cega pela neblina que vai caindo, muda.
No seu cimo estaria ele, imaculado em toda a sua imundice e ousadia, emoldurando-o suas feições delicadas.

12 de maio de 2012

Ócio

Arrasta-se o tempo e com ele a vontade, arrasada pela insignificância que nutre por ela. Reduz-se à poeira que se lhe figura, impávida perante o desfile do seu retrato, uma espectadora de si própria. Consome-a a fadiga do silêncio, enquanto o sopro se passei mesmo à sua cabeceira, sugando-lhe os passos que entretanto se tornaram pesados e desnorteados. Pousa a cabeça, extravasam-lhe os pensamentos vagos, tão presentes e reais quanto os dias que os sustentam. Extingue-se a certeza e assenta-se sua fantasia, consolada pela suposição de uma manhã se encontrarem...

29 de abril de 2012

O (G)ato

Lânguido no seu travesseiro de lascas felpudas, namora o Sol que o embebeda com a luz de seus beijos gentis. Procurando a brisa em tela azul, vê a sua imagem espelhada numa pena negra que voa em seu redor. Os seus olhos cercam-na e acaba por pousar na ponta do nariz. Espirra. E a pena foge para os ramos da velha árvore... Era tão alta que no seu cimo adormeciam anjos caídos, exaustos pela paz celestial que ecoava pelos céus.
A pena subia cada vez mais alto e um desses anjos apanha-a e começa a molestá-la, fazendo-a passar pelo seu pescoço delicado. Enfurecido e magoado pela ousadia, voa até ao seu poiso, chorando lágrimas frias e pesadas. Tira-lhe a pena das mãos e arranca as suas asas brancas num ímpeto de inveja e ciúme. O anjo canta em agonia e os seus semelhantes observam-no em pecado. Os seus olhos espumavam fogo e não satisfeito, debica o anjo cantor, com um brutal requinte, engolindo-o depois de uma só vez. É então que acontece aquilo que todos aguardavam desesperadamente, fartos de toda a solene carnificina que o banquete figurava. Regressa ao seu ninho e embalado pelo Sol, seu amante, banha-se com uma lentidão excêntrica e atrevida, abraçado à pena que era sua.

25 de abril de 2012

Fuga

Já demasiado presa ao ruído dos seus passos, aprisiona-se no próprio corpo, mudo, esquivando-se à sombra que vem agarrada ao pó dos seus pés. Oculta-se no espaço, dando lugar ao vazio que lhe enche os sentidos, torpes pela azia que trás o exagero de nada.
Soam dúzias de cães raivosos e ela muda, faz-se de surda. Entrega-se à dança desses espectros manhosos que a prendem ao solo escaldante, enterrando-a nos buracos por eles abertos. Solta-se a pele e a carne, e assim desaparece, fustigada pelo entorpecimento de um qualquer caos efémero.

19 de abril de 2012

Bichos

Deitas-te sobre a noite com o seu mudo sussurro, despedaçado por cada réstia de esperança empregue nos teus passos resfriados. Danças abraçado à sombra, seduzido pelo amargo que te acaricia a pele e te despe do ardor das palavras. Escorre-te dos olhos ressequidos o sentido, consumindo as vestes que te cobriam o corpo enrugado.Preso no reflexo da miséria projectada no teu rosto desfeito, corrói-te o ácido nas veias desse olhar que nunca chegou, nunca foi dito. Colhes as pernas, nada te resta, arrancas os lábios insolentes. Insolentes.Rastejando pelos corpos, azedados pela doçura da seda do seu azul putrificado, procura aquele que lhe queimou o peito com o veneno da sua voz delicada. Ao beijar os seus lábios enevoados desfaz-se em cinza, esvoaçando pelo ar do sufoco do seu sorriso esverdeado.